Preços de Transferência, navegando em Águas Subjetivas
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Por: Leandro Brito de Arruda

A Instrução Normativa nº 2.161/2023 (IN 2.161/23), emitida pela Receita Federal do Brasil (RFB), surgiu com o objetivo de ser um farol de orientação para os contribuintes no que diz respeito às novas regras de preço de transferência e à maneira de aplicá-las. No entanto, ainda que a transição para o novo modelo seja de extrema importância para o cenário macroeconômico brasileiro, a essência subjetiva do novo cálculo pode gerar dificuldades aos contribuintes, desafiando-os a navegar por águas mais profundas e complexas.

É relevante notar que as novas regras deixaram de ser predominantemente objetivas e quantitativas, passando a exigir uma avaliação econômica das operações para determinar com assertividade o seu tipo de transação e qual será a abordagem mais apropriada para avaliá-las. Esse estudo envolverá, principalmente, o delineamento da transação e a análise de comparabilidade.

O novo enfoque econômico das regras traz consigo um desafio significativo que merece atenção especial. A análise econômica é mais subjetiva do que os métodos anteriores, o que pode resultar em uma maior margem para interpretação por parte dos contribuintes, proporcionando um cenário potencialmente perigoso, pois a subjetividade na análise pode acarretar discrepâncias na interpretação das regras e na determinação dos preços de transferência.

A interpretação subjetiva de aspectos econômicos das transações pode levar a diferentes conclusões sobre a conformidade tributária, sendo um terreno fértil para disputas entre os contribuintes e as autoridades fiscais; não é à toa que o tema se destaca mundialmente nas pautas de litígios jurídicos. Estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o número global de disputas através de Mutual Agreement Procedure, em grande parte relacionadas a questões de preços de transferência, quase dobrou de 3.328¹ casos em 2010 para 6.478 casos em 2020².

O delineamento da transação dará ênfase na essência sobre a forma e na necessidade de tomada de decisão com base em critérios econômicos razoáveis por parte dos contribuintes. Em uma leitura da IN 2.161/23, denota-se que as autoridades fiscais considerarão os fatos quando estes divergirem dos termos formalizados em contratos ou outros documentos. Isso torna a governança das transações intercompany ainda mais crucial no contexto do novo sistema brasileiro de preço de transferência, especialmente devido à disposição explícita de que mesmo transações não formalizadas e/ou documentadas devem ser analisadas e testadas.

Adentrando especificamente no texto da nova Instrução Normativa, no que se refere à lógica econômica das transações, foram introduzidas disposições controvertidas que podem levantar dúvidas sobre a própria validade das operações caso seja interpretado uma ausência de propósito comercial sólido, concedendo a possibilidade de desconsiderar a transação quando concluído que partes não relacionadas não a teriam realizado nas mesmas condições, total ou parcialmente. Este é um exemplo onde o contribuinte, mesmo que suportado pelos guidelines dispostos pela OCDE e pela nova IN 2.161/23, poderá encontrar resultados diferentes daqueles considerados pelas autoridades competentes.

Por fim, é fundamental acompanhar de perto a evolução das orientações fiscais e jurisprudenciais relacionadas a essa nova abordagem, a fim de mitigar os riscos de litígios tributários e garantir a conformidade com as normas em constante evolução. Contar com assessoramento para que as empresas multinacionais operando no Brasil tenham uma compreensão clara de seus modelos de negócios e da viabilidade dos resultados gerados pelas operações locais é fundamental para garantir a conformidade com as novas regras e evitar complicações tributárias no ambiente de negócios atual.

¹https://www.oecd.org/ctp/dispute/map-statistics-2006-2015.htm

²https://www.oecd.org/tax/dispute/mutual-agreement-procedure-statistics-2020.htm