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Por Regiane Furtado Jenkins e Kalina Alvarenga

Apesar de no Brasil ainda não haver qualquer estrutura que se equipare ao trust, bem como qualquer legislação tributária que trate sobre o tema, a Receita Federal manifestou-se nos últimos dias, por meio de uma Solução de Consulta da Coordenação Geral de Tributação (Cosit), acerca da tributação sobre os valores recebidos de trust por herdeiros, vinculando a atuação de todos os auditores fiscais brasileiros e contribuintes no mesmo sentido.

trust é uma relação contratual na qual o titular dos ativos (settlor) entrega-os para uma segunda pessoa (trustee) administrar a estrutura (trust) em prol de um terceiro (beneficiário), de acordo com as regras instituídas pelo titular original dos ativos. Os trusts têm sido utilizados por pessoas físicas que detêm ativos no exterior, em planejamentos sucessórios, para garantir certa segurança patrimonial em favor dos seus herdeiros. Esse tipo de estrutura permite ao settlor a possibilidade de disponibilização dos bens aos herdeiros após o cumprimento de certas condições, de forma a facilitar o processo de inventário no exterior.

A Solução de Consulta nº 41/2020 analisa um caso apresentado por uma herdeira que declarou ser beneficiária de um trust instituído pelo seu marido, que faleceu em 2016. Ela informou que, em razão do falecimento, passou a receber valores provenientes do trust na condição de beneficiária e herdeira. Por fim, questionou se o recebimento destes valores estaria sujeito à incidência do Imposto de Renda ou do ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações).

A Receita Federal declarou-se ineficaz para analisar o questionamento acerca da incidência do ITCMD, visto que é um imposto estadual. Em relação ao Imposto de Renda, o órgão enquadrou o caso na regra geral de rendimentos de fontes situadas no exterior, sujeitando o recebimento dos valores do trust ao recolhimento mensal do Imposto de Renda (carnê-leão).

Tanto o questionamento elaborado pela herdeira, quanto a resposta dada pela Receita Federal são bem rasos, deixando de lado aspectos relevantes para a análise do tema. Não foram considerados detalhes que privam a Solução de Consulta de uma análise mais aprofundada e assertiva sobre o tema, como por exemplo a revogabilidade ou não do trust, a composição dos valores recebidos, se o ativo estava declarado pelo de cujus e se o instituir do trust era ou não residente fiscal no Brasil.

A única oportunidade em que a Receita Federal manifestou-se sobre este assunto foi no âmbito do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que permitiu a regularização de ativos mantidos no exterior. Naquele contexto, o órgão definiu em quais ocasiões o trust deveria ser declarado. Contudo, a legislação não trouxe qualquer informação adicional sobre o tema.

Com todo respeito, há um equívoco na resposta à consulta cometido pela Receita Federal, que se aproveitou desta falta de regramento para determinar a incidência do Imposto de Renda sobre os valores recebidos de trusts. A incidência de um imposto deve sempre manter a coerência com o fato que lhe deu origem, garantindo um tratamento fiscal adequado e fundamentado em lei. Estamos diante de recebimento de valores que decorrem de uma herança recebida do exterior, que, em princípio, se sujeita à incidência do ITCMD e não do Imposto de Renda.  

Por um lado, quando muito, poderíamos considerar a incidência do Imposto de Renda apenas sobre os rendimentos não tributados até então pelo de cujus.  Em relação ao ITCMD, defendemos, ainda, a possibilidade de discussão judicial acerca da incidência deste imposto sobre herança recebida no exterior, haja vista a falta de Lei Complementar que regulamente este tema.

Considerando que este assunto ainda é embrionário no Brasil e que carece de legislação específica, reconhecemos que todas as questões que envolvem trust devem ser analisadas caso a caso, com zelo e atenção, visto que existem diversas lacunas e particularidades envolvidas. Somente com todas as informações detalhadas, poderemos indicar o tratamento tributário mais adequado.